sábado, 21 de março de 2015

Abajur / Abat-Jour


 

“Era uma vez pessoas que queriam abater o dia...”

“Abajur” é uma das primeiras palavras que o brasileiro identifica imediatamente como francesa. Ele tem razão, e seu equivalente Abat-jour representa na França, assim como no Brasil, a “cúpula”, de forma frequentemente cônica, colocada em volta de uma lâmpada.

O curioso é que quando essa palavra apareceu pela primeira vez na forma escrita em francês, no século XVII, designava “escavações oblíquas” feitas nos muros para possibilitar a entrada da luz do dia de forma indireta nas galerias subterrâneas. Com efeito, Abat-jour quer dizer “abaixar a luz do dia”, “abater a luz do dia”, “abater o dia”! Ele poderia ser traduzido literalmente por “abaixamento do dia”!

Imagine uma sala gelada com muros de pedra recebendo de cima uma leve claridade de fora, tal uma célula de uma prisão. Estamos longe de um interior aconchegante com luz filtrada, não é?

Felizmente, para sair um pouco deste ambiente frio, a palavra Abat-jour passou a ser usada a partir do século XIX, não no sentido de orientação da luz do dia, mas no de proteção contra a mesma. Ou seja, de um meio para fazer “entrar o sol” em um lugar escuro, ela estava se tornando um recurso para “proteger do sol” em um lugar ensolarado. Uma mudança importante de significado.

A partir deste mesmo segundo sentido, a palavra Abat-jour em francês chegou a significar para as pessoas outras “proteções contra o sol”, como a viseira de um “boné”, ou mesmo um capacete colonial. Para os infelizes sem chapéu, restava para se proteger do astro solar, somente colocar a mão en forme d’abat-jour, técnica universal usada até hoje pelos torcedores de futebol de todos os países nos estádios, quando se encontram na arquibancada de frente ao sol, ao ponto de quase não distinguir as cores dos seus times. Imagine, confundir a posse de bola do meia rubro-negro com a do volante alvinegro!

Ao longo dos séculos, a luz foi pouco a pouco sendo vista de modo diferente e chegou-se a Abat-jour não somente para a luz do sol, mas também para a das lâmpadas da casa. A palavra encontrou então, a nosso ver, seu uso perfeito ao abrigar ao mesmo tempo os dois sentidos anteriormente atribuídos a ela: o de orientar a luz, e também o de proteger da luz direta.

Por estas razões, se o português não houvesse adotado ao final do século XIX nos seus dicionários a palavra francesa, primeiro com sua escritura original Abat-jour, depois transitando por “Abaju” e chegando a “Abajur”, o Abat-jour poderia talvez se chamar no Brasil, além de “quebra-luz” como foi nomeado durante um tempo, também de “orientaluz” ou ainda de “filtraluz”. Seria correto e elegante também, não é?

 

A frase simples do dia:

A frase francesa “L’abat-jour du salon est marron”.

Traduz-se em português por “O abajur do salão é marrom”.

Edredom / Édredon


 
“Era uma vez um pato islandês...”

Um novo país aparece nesta caminhada pelo mundo pelas palavras portuguesas aparentemente de origem francesa.

Desta vez, trata-se de Danemark,  que quer dizer da “Dinamarca”, que é um dos raros países que pertencem ao gênero  masculino em francês, e ao gênero feminino em português.

A palavra Édredon, então, vem do dinamarquês, e mais precisamente do nome dinamarquês de certo pato que vive ainda mais ao norte da Dinamarca, na Islândia, país hoje independente, mas que durante cinco séculos fez parte do reinado dinamarquês, o tempo de fazer nascer o Édredon!

Este pato - não o jogador Pato! - se chama o Eider - não o jogador Eder! - é uma ave que por resistir ao frio rigoroso dessas regiões, oferece penugens de excelente qualidade.

O povo dinamarquês não demorou a reconhecer as qualidades destas fininhas penas, e criou com elas um pequeno cobertor formado por essas penugens envolvidas em uma tela, destinado num primeiro momento aos pés, e que eles chamaram então, de Edderdun.

Depois o uso deste cobertor passou para a cama, e é dessa forma que o Edderdun chegou um dia à França, no século XVII, onde recebeu a forma afrancesada Édredon, e a ofereceu para o português que a retomou em “edredom” ou ainda “edredão”.

Ao longo desses deslocamentos, a palavra não mudou de sentido, só as temperaturas externas que variaram entre a Islândia, a França, e o Brasil, o que faz com que, provavelmente, a espessura dos respectivos Édredons tenha diminuído...

Hoje existe um problema com o Édredon, por que frequentemente, não é mais feito com penugens do pato Eider! Alguns Édredons são fabricados com penas de outras aves aquáticas, o que não seria nada grave, pois ficaria na mesma família, mas acontece que cada vez mais, a indústria se apropriou e modificou este produto, fazendo o Édredon não de plumas naturais, seja de Eider, de patos ou de gansos – não o jogador Ganso! - mas de produtos sintéticos!

Do ponto de vista da ética, e para respeitar as qualidades únicas deste belo patinho, essas invenções de falsos Édredons não deveriam mais, do nosso ponto de vista, ser nomeadas Édredons, mas “Patodons” ou “Gansodons” para os confeccionados com as penugens de outras aves, e para os vulgares Édredons nascidos da indústria química, “Quimicodons”, “Sintetidons”, ou ainda “Polyetidons”!

Seria mais correto, não?

 

A frase fácil do dia:

A frase francesa : “les autres canards et oies sont bons, mais c’est l’eider qui produit les meilleurs édredons!”

Traduz-se efetivamente em português por: “outros patos e gansos são bons, mas é o eider que produz os melhores edredons!”.

Maionese / Mayonnaise


 
 
“Era uma vez nas Ilhas Baleares...”

Para fazer uma Mayonnaise, só é necessário  misturar energicamente azeite, vinagre, gema, sal e pimenta-do-reino com um Fouet. Nada de mais fácil a priori, mas aqueles que, depois de terem batido os ingredientes por dez minutos, continuam com um molho desesperadamente ralo, sabem que não é tão simples...

Encontramos o primeiro traço escrito sobre a Mayonnaise somente no início do século XIX, no tempo de Napoléon Ier, numa receita para acompanhar o salmão. Contudo, a origem da palavra continua sendo questionada, e ainda existe uma disputa entre várias cidades em relação a Mayonnaise.

A maioria das pessoas acredita que a origem viria da cidade de Mahon, porto das Ilhas Baleares tomado em 1756 sob Louis XIII aos ingleses. Em comemoração a esta vitória, o cozinheiro do Cardinal de Richelieu teria inventado esta receita com os ingredientes disponíveis na ilha, quer dizer azeite, vinagre, gema, sal e pimenta-do-reino. Já os espanhóis evidentemente sustentam que a receita já teria existido bem antes, e que seria somente uma cópia da parte dos franceses!

De qualquer forma, a receita foi levada à França, onde encontrou o sucesso, a partir do qual se espalhou para outros países, entrando, por exemplo, com a forma Mayonese no dicionário português em 1881, nos últimos anos do reinado de Pedro II. Se esta fosse a real origem, a palavra Mayonnaise teria nascido da palavra Mahonnaise.

Outros acreditam que viria da cidade basca de Bayonne situada ao norte dos Pirineus. Se fosse assim, a Mayonnaise teria nascido como Bayonnaise e seria então a irmã mais quieta da famosa e terrível Baioneta, esta nascida com certeza absoluta, na cidade basca de Bayonne.

Existem outros que pensam que este molho seria a criação de um pequeno Chef de Magnon, um minúsculo povoado da região sudoeste da França perto de Agen, famosa por suas ameixas. Neste caso, a Mayonnaise viria da palavra Magnonnaise...

Alguns também acreditam que poderia vir da região de Mayenne, no oeste da França, cuja cidade principal é Le Mans, famosa por sua corrida de automóveis com duração de 24 horas. A Mayonnaise, neste caso, teria nascido como Mayennaise.

Enfim, as últimas hipóteses são de que teria originado de uma antiga palavra francesa : o substantivo Moyeu  que significava a “gema”, ou ainda os verbos Manier significando “manejar”, ou Mailler para “malhar”, isso a partir de um tipo de martelo chamado “malho”...

Então, qual viagem você prefere? Um voo para as Baleares? Para o País Basco? O sudoeste da França? O oeste? Ou nenhum desses e escolheria “malhar” na orla?

Na hora de degustar a Mayonnaise, considerando o ponto de vista gastronômico francês, uma boa Mayonnaise é tão deliciosa que pode se bastar a si mesma – embora seja possível acompanhá-la com uma lagosta! – cabe a cada um fazer sua escolha!

 

A frase fácil do dia:

A frase francesa : “Pour que la mayonnaise prenne, les ingredients doivent être à la même température’’.

Traduz-se efetivamente em português por: ”Para a maionese dar ponto, os ingredientes devem estar todos à mesma temperatura”.

Restaurante / Restaurant


“Contre o cansaço...”

O Restaurant, todo mundo conhece! Contudo, o sentido que damos à palavra é recente, pois data somente de um pouco mais de 200 anos.

No século X, já existia na França o verbo Restaurer, e em Portugal, seu equivalente “restaurar”, que tinham a significação, assim como seu ancestral latim Restaurare, de “consertar”, “reconstruir” ou ainda “retomar”. Existia também a “restauração” que podia ser de bens, como hoje existe a “restauração” de sobrados nas cidades brasileiras.

Mas para ver surgir pela primeira vez o termo Restaurant, foi necessário esperar um pouco mais, pois foi somente no início do século XVI. E o termo ainda não designava um “estabelecimento”, mas uma “bebida” com a qual se “retomavam” forças, se “restaurava”, se “refazia” um homem!

Na época, então, pode se dizer que se bebiam Restaurants!

No século seguinte, o Restaurant se apresentou de forma um pouco mais sólida como uma “sopa do sumo da carne”, bem concentrada, de novo com o objetivo de “recuperar forças”. Voltaire, por exemplo, escrevia: “on le fait reposer ; on lui fait prendre des restaurants. ”.

Portanto, é possível dizer que na época, se comiam Restaurants!

Enfim, o primeiro Restaurant sob a forma que conhecemos teria aparecido em 1765 em Paris sob o reino de Louis XV, o bisneto de Louis XIV. Lá, um homem chamado Boulanger teria inventado um modo de “restauração” diferente do que acontecia em um albergue tradicional, com duas inovações importantes: primeiro, ele teria separado as imensas mesas coletivas em mesas menores, proporcionando dessa forma mais intimidade e conforto ao cliente. Também, em vez de oferecer um só prato, ele teria proposto uma variedade a escolher, inaugurando a ideia de À la carte. O conjunto de inovações o teria levado a um grande sucesso. Entretanto, a paternidade dessas invenções é discutível, e outros afirmam que quem colocou realmente em prática essas novidades foi uma pessoa chamada Beauvilliers, alguns anos depois, em 1782.

De qualquer forma, estávamos antes da Revolução Francesa, e acontece que a partir desta, em julho de 1789, com muitos nobres preferindo fugir para o exterior, seus – bons! - cozinheiros se encontraram em Paris, desempregados. Decidiram então , abrir estabelecimentos em toda a cidade, se beneficiando neste momento de uma clientela crescente pela chegada na capital francesa, por razões políticas, de vários moradores de outras regiões, sem suas famílias por perto para nutri-los. Não faltou clientela então, e o número de Restaurants cresceu muito durante este período.

A partir daí, o sucesso se tornou internacional, e logo apareceu a palavra Restaurant em várias partes do mundo, seja com a palavra tradicional Restaurant nos países francófonos e anglófonos, ou adaptada em Ristorante na Itália, Pectopat nos países eslavos, e evidentemente Restaurante nos países hispanófonos e lusófonos, a palavra entrando com sua forma aportuguesada “restaurante” no dicionário português no século XIX.

Na França, Restaurant deu origem a outros termos:

Pela associação com o Hôtel, de origem latina, surgiu o Hôtel-restaurant.

Com o Café, de origem árabe, apareceu o Café-restaurant.

Com Bar e Wagon de origem inglesa, chegaram o Bar-restaurant e o Wagon-restaurant.

 O Restaurant na França se tornou cada vez mais parte da vida das pessoas ao ponto de ganhar os diminutivos afetivos Restau ou ainda Resto. Este amigo do bem viver, dedicado a um dos prazeres essenciais da vida, o ato de comer, bem merecia, não é?

Aliás, é todo um encantamento para um francês de ler palavras tão simples quanto evocadoras como tais de Maupassant: “on dîna au bord de l'eau, dans un restaurant champêtre”, isto é, “a gente almoçou na beira da lagoa, num restaurante campestre...” Do que mais se precisa na vida?

 

A frase enganadora do dia:

A frase francesa : “Le restaurant ouvre de 12h à 14h et de 19h à 22h”.

Não se traduz por “O restaurante abre de 12 até 14 e de 19 até 22”.

Mas no Brasil onde o restaurante fica aberto o dia todo, por “O restaurante abre das 11 até 3 da manha”.

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Dominique Boyer

Rio de Janeiro, Brasil

Professor de francês - Apresentações - Palestras - Contatos

aulas.frances@hotmail.com

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